28 junho 2019

[Resenha] Interestelar


Da série Livro + Filme
Interestelar
Ficção científica
268 páginas
Editora Gryphus Geek www.gryphus.com.br
Romantização por Greg Reyes (inspirado no roteiro original de Jonathan Nolan e Christopher Nolan)
Traduzido por Vera Whately


Começa com a voz antiga de uma mulher, temperada com memórias, misturada com saudade e tristezas. São lembranças de um tempo em que se podia pisar no solo, respirar o ar da manhã e ver o azul do céu. Hoje, essa voz antiga caminha por toneladas de engenhocas girantes num espaço negro, sem ar, sem som. Sem você. Tudo o que você já viu, o que já conheceu; coisas passadas, história e familiares, tudo não existe mais. A Terra não existe mais como a tínhamos. Hoje, os representantes da humanidade vivem numa Terra artificial, uma caixa de réplicas e tentativas de se recriar o máximo possível para vozes antigas como a da mulher não serem silenciadas pela saudade.
Esse é o sentimento no Interestelar. Uma saudade antiga, vivida por poucos, ouvidas pelos jovens, hoje relatada por velhas e velhos: os últimos a deixarem a Terra.
O mundo começou a sofrer com uma praga que foi devastando as plantações e consumindo o oxigênio da atmosfera, e junto começaram tempestades de areia e ventos fortes que vinham para sufocar e depositar poeira. Não se sabe quando a praga começou, de onde veio, como chegou. Ela se impôs, respirando nosso ar, se alastrando. Frutas, verduras, animais, água limpa. Aos poucos os recursos foram sendo minados. A praga, resiliente, prosperou. Sobrou pouca coisa para se comer. Quiabo, milho. O quiabo foi o penúltimo a sumir; um incêndio varreu suas últimas folhagens ainda distantes da praga. Então o milho tentou. Com suas hastes compridas, seu verde chumbo forte, mas em vão. A praga já havia se decidido: o milho será o próximo.
Um café da manhã com milho cozido e papa de milho. Cerveja gelada de milho. Pipoca. E mais papa de milho. Quem ainda podia ter milho em casa, se alegrava, pois muitos não tinham nem água mais para sequer se banhar da poeira que cobria o mundo.
Assim começa Interestelar, com uma atriz mais velha falando à frente de um fundo preto, como se fosse um documentário do History Channel. Essa personagem, por sinal, tem um papel fundamental para a existência dessa nova Terra girando no espaço. Pense agora em todo esse peso sentimental conduzido pela trilha sonora de Hanns Zimmer. Um filme/livro não apenas para se ver, mas também para se ouvir, de preferência ou de olhos fechados ou com os olhos bem abertos, mirando as estrelas numa madrugada fria. Mas espera, estamos falando do filme ou do livro? Tanto faz, pois o livro foi uma romantização escrita depois do filme,
Então o livro Interestelar veio depois do sucesso do filme, depois de toda a jornada dos astronautas e é praticamente o livro descritivo, porém, algumas partes entregues sem o drama e emoção presenciados pela visual de Cristopher Nolan. A vantagem de se ter o romance é poder aprofundar em questões sobre o momento em que os personagens estão vivendo (no filme são apresentados pistas curtas e rápidas, ficando a desejar).
“É verdade, meu pai era fazendeiro na época.”
“Como todo mundo era...”
Esses dois trechos apresentam uma necessidade que o mundo vive: falta de comida. Não se educa mais os jovens pensando em engenheiros ou inventores, e sim em fazendeiros. Cooper, o protagonista, foi engenheiro e piloto da NASA, e hoje cuida de uma extensa fazenda. Seu produto principal (e único): milho.
“Ele (Cooper) era um bom homem. E também um bom fazendeiro, o tipo de sujeito que a gente gostaria de ter por perto quando precisasse que uma colheitadeira de vinte anos voltasse a funcionar com uns cabos e uma torradeira velha. Ou se quisesse que o painel solar tivesse um rendimento de mais quinze por cento.”
Assim se vê a personalidade completa de Cooper.  Um faz-tudo na fazenda. E num mundo apocalíptico, com uma praga varrendo a vegetação e tempestades de poeira que sufoca e soterra pessoas, um faz-tudo engenheiro é o que você vai precisar.
Para os mais velhos que em nada podiam colaborar num mundo assim, sobrava o sentimento niilista de apenas mais um dia pela frente.
“Donald (sogro de Cooper, um vovô de uns setenta anos) varreu a poeira da varanda da casa da fazenda mesmo sabendo que não fazia sentido, pois em questão de horas, estaria tudo sujo de novo. Mas desistir totalmente de varrer parecia mais sem sentido ainda.”
Com mais esses dois trechos temos o desenho dos últimos viventes nessa Terra condenada. A resiliência com criatividade na pessoa d Cooper e a saudade com conformismo em seu sogro Donald. Uma sociedade provavelmente (pelas pistas que colhi no livro) do ano 2050; porém vivendo um cotidiano de uma sociedade agrária dos anos 30.
“Nós somos uma geração de zeladores.” Disse o diretor da escola onde a filha de Cooper (Murph) estuda. Zeladores apenas cuidando do que foi deixado para trás e que ainda dura antes da próxima tempestade de areia. Mas Cooper sentia-se infeliz: “Nós esquecemos quem somos, Donald. Exploradores. Pioneiros. Não zeladores.”


Mesmo nessa ambientação de fim de mundo, com tecnologia de ponta, robôs falantes e inteligência artificial, Interestelar é uma obra sobre o amor, elevando esse sentimento a uma espécie de força, de artefato.
“Estou tentando dizer que não fomos nós que inventamos o amor. O amor é uma coisa observável, poderosa. Por que não deve significar alguma coisa?”
 “É por isso que quero seguir meu coração. Mas talvez tenhamos gasto tempo demais tentando descobrir tudo isso com teoria...”
Seguimos os astronautas Cooper, Amelia, Romilly e Doyle numa jornada espacial no rastro de uma tal “operação Lázaro”, iniciada há dez anos do presente da narrativa. Lázaro foi uma missão da NASA em que 12 astronautas foram enviados a outra galáxia, cruzando por um buraco de minhoca próxima a Saturno. Cada um, teoricamente, pousou num planeta nessa galáxia nova. Esses 12 deveriam registrar, analisar e enviar para a Terra os dados de seu planeta novo. A NASA receberia os dados dos 12 planetas e veria qual o mais compatível para os humanos colonizar. Esse é o esqueleto base do enredo. Porém, nessa coleção cósmica de Física, Astrofísica e Quântica, tem-se a presença do artefato mais forte que a gravidade: o amor.
“Amor é a única coisa perceptível que transcende as dimensões de tempo e espaço.”, disse a doutora Amelia Brand.
Murph e Cooper formam a base de um amor puro, entre pai e filha, um elo quântico, a ponte que cruza o espaço-tempo e permite a coexistência de fatias de momentos do passado e do presente. De toda a tecnologia de uma civilização superior (seres que vivem em cinco dimensões) que se vê desenvolver durante o filme, a ponte principal que cruzou o espaço-tempo foi o amor de um pai e sua filha. (Supostamente são esses seres superiores, chamados de “Eles”, que ajudam a NASA a tentar salvar a Terra.)
Cooper desabafa: “Como pai, eu sei que a coisa mais importante de todas é fazer os seus filhos se sentirem seguros. Portanto, não podia dizer a uma menina de 10 anos que o mundo estava para acabar”.
Por outro lado, doutora Amelia Brand, 10 anos depois de se despedir do homem que ama, cruza a galáxia seguindo uma intuição de seu coração: o amor.
“Talvez signifique que há uma coisa a mais; uma coisa que ainda não podemos compreender. Talvez seja alguma evidência, algum artefato de dimensões maiores que não podemos perceber conscientemente. Eu tenho atração por alguém do outro lado do universo, que não vejo há dez anos e que provavelmente está morto.”
Mais uma vez: de toda a tecnologia, mistério e criatividade do cérebro dos cientistas, a força mais brilhante é o amor. E é nisso que está a emoção de Interestelar.
“A evolução tem ainda de transcender essa barreira simples: nós podemos nos preocupar profundamente, com muito altruísmo, com pessoas que conhecemos, mas nossa empatia raramente se estende àqueles que nunca vimos.”
O filme é claramente visual, com interpretações, gestos e expressões faciais que ficarão na história do cinema. A cena de Cooper assistindo aos vídeos, sentado, rosto magro, úmido, é o clímax de sentimentalismo do filme. Já no livro, a mesma cena foi entregue em poucos parágrafos, rápida, curta, sem emoção. Não julgo o romance, pois não havia o que se fazer, pois o filme foi o pioneiro; Matthew McConaughey é Cooper e é impossível ler o livro sem imaginar o mesmo ator. Aliás, todos os atores ficarão na sua mente se você assistir ao filme primeiro. De toda forma, com trechos curtos e inserções novas para criar mais ligação entre as cenas, Greg Keyes (autor do romance) deixou sua contribuição para a obra e se faz necessária a leitura do romance para quem ama o filme (Eu!).
Tenha consigo que o livro não será uma experiência nova, nem um “mais do mesmo”, mas será uma contribuição, ou um complemento para o filme, mesmo que sutil. Como por exemplo, em pensamentos curtos dos personagens em momentos que no filme passam rápido, e no livro, pelo motivo óbvio de ser texto, pode ser aprofundado, criando mais empatia com a ação da cena.
O filme é de 2014, e a versão do livro em português que tenho foi lançada em 2016.
O livro físico é básico, sem nada em excesso (mas Interestelar merece uma edição especial), contei alguns 5 ou 6 erros (pequenos) de digitação (nada que vá te atrapalhar, mas estão lá). Talvez a capa merecesse um trabalho mais delicado, principalmente o trato com o texto, pois o fundo muito branco e frio da imagem dificulta a leitura do texto escuro; de toda forma, a capa é bonita, mostra o Matthew McConaughey com seu traje espacial e o nome Interestelar (que é praticamente um logo, o mesmo usado no filme e em todas as peças de divulgação da Warner Bros).
Não vou dar nota, pois sou fã total do Christopher Nolan, Matthew McConaughey e Hans Zimmer, e não consigo separar as coisas. (Mas em off eu daria nota total!)


Link para o livro físico
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Bjos espaciais!





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